Me lembro muito bem do dia em que entrevistei o Durval. Era um sábado lindo de sol! Estávamos em meio às Olimpíadas, aqui no Rio! A cidade estava repleta de turistas felizes a caminho dos jogos. A todo momento, escutávamos sirenes pelas ruas e o metrô estava lotado. Um cenário alegre, mas caótico, ao mesmo tempo. Quando cheguei no ateliê do Durval, que fica no apartamento dele, na zona sul da cidade, tive a sensação de abrir uma porta e me teletransportar para outro universo, bem mais calmo e tranquilo. De repente, o barulho do trânsito foi substituído pelo som do jazz, que eu tanto adoro! E tudo isso, num cômodo iluminado e com uma decoração linda! Durante pouco mais de duas horas, o Durval compartilhou comigo a história dele e eu esqueci completamente que estava no Rio.
Nascido em Volta Redonda, no interior do estado, Durval passou a infância se abastecendo de referências, inspirado no talento dos pais: a mãe era professora de Educação Artística e o pai sempre foi um verdadeiro “faz tudo” em casa. Volta e meia ele estava com uma caixa de ferramentas a tiracolo. “Me lembro muito bem de um armário que a gente tinha lá em casa, na área de serviço, quando eu era criança! Na verdade, esse armário existe até hoje: metade dele era para guardar as ferramentas do meu pai e no espaço que restava, a minha mãe armazenava os materiais dela de pintura, além de jornais e recortes de revista para fazer colagens”, conta Durval. “Eu sempre convivi com esses dois universos bem distintos. Na adolescência, cheguei a optar por um deles, achando que era o meu caminho, mas depois me dei conta de que eu tinha errado o alvo”, brinca.
Durval se interessava tanto pela área de Exatas – sempre teve facilidade com Física e Matemática – quanto pelo mundo das artes! Antes de ingressar na faculdade, o pai sugeriu que ele fizesse um curso técnico de Eletrônica, até mesmo para que o filho pudesse descobrir a verdadeira paixão dele. “Meus pais nunca me impuseram uma carreira específica, como Medicina, por exemplo, mas sugeriram que eu fizesse o curso técnico, porque bem ou mal já serviria como uma garantia pra mim, caso eu precisasse arranjar um emprego”, explica. “Eu me formei no curso de Eletrônica e fiz um estágio de seis meses na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Paralelamente, eu estudava para o vestibular. Segui as orientações do meu pai, mas no final do curso, eu falei pra mim mesmo: “Não é isso!”, revela Durval.
Durante o período em que cursou Eletrônica, Durval também fazia aulas de pintura a óleo – ele chegou a se dedicar às telas por quase dois anos! “Eu sempre gostei de desenhar! Era aquele garoto apaixonado por histórias em quadrinhos, mas teve uma época em que parei com tudo! Na minha cabeça, arte era coisa de criança – como se eu tivesse que abandoná-la a partir de certa idade”, relembra. E assim foi feito: a arte fez uma pausa na vida do Durval. Depois de completar os seis meses de estágio na CSN, ele passou no vestibular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Veio de vez para a Cidade Maravilhosa e se formou em Publicidade.
Assim que terminou a faculdade, Durval foi logo trabalhar com Design de Interface – área específica do Design relacionada ao desenvolvimento de projetos que visam facilitar o diálogo entre as pessoas e a tecnologia, de um modo geral: seja na hora de criar um aplicativo, site, software, e até mesmo na produção de exposições multimídia, que contam com a interação do público. “No início, trabalhei numa empresa mais tradicional, depois fui para o escritório onde estou até hoje – o Plano B Design, focado em Design de Interação e sistemas digitais”, conta Durval. “Atualmente, eu desenvolvo websites para empresas – inclusive a parte de programação! Eu gosto, é bem legal! Inclusive, ter conhecimento nessa área sempre me ajudou muito: quando resolvi criar o projeto “No Rio, de bike”; eu mesmo fiz o meu site – do início ao fim”, revela o designer.
A vontade de criar um projeto autoral surgiu justamente para resgatar aquele universo lúdico e analógico da pintura que tinha ficado lá em Volta Redonda, anos antes do Durval ingressar na faculdade de Comunicação. “Eu sempre trabalhei muito com Photoshop no mercado de trabalho. Comecei a sentir falta do cheiro das tintas, de misturar as cores, de rever todas aquelas texturas que a pintura nos proporciona. Tinha saudade de criar algo com as minhas próprias mãos, sem o intermédio do computador”, explica. E foi assim que nasceu a série de aquarelas “No Rio, de bike”, como uma espécie de resolução de Ano Novo.
Projeto “No Rio, de bike”
Todo início de ano, o Durval tem o costume de enviar cartas para ele mesmo. A ideia é fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu de bom no ano anterior e fazer uma lista das metas que ele têm intenção de cumprir nos 12 meses seguintes. “Não chega a ser nada poético e carregado de emoção, mas é uma forma criativa de relembrar os momentos especiais de cada ano”, explica o designer. No início de 2013, um dos seus desejos era resgatar um pouco daquele “universo analógico” que tinha ficado pra trás, fazia tempo! “Uma amiga comentou comigo que estava fazendo aulas de aquarela e me incentivou a aprender também. Fiz algumas pesquisas sobre o assunto, na internet, e me identifiquei bastante com o resultado estético da aquarela”, conta.
O primeiro passo foi se inscrever numa aula experimental do Chiaroscuro Ateliê de Pintura – onde o Durval estuda aquarela até hoje! Na época, ele estava com uma viagem de férias marcada para Nova Iorque e, por conta disso, resolveu começar o curso de vez, só na volta! Aproveitou a oportunidade para comprar todos os materiais de pintura nos Estados Unidos e foi na Big Apple que ele se apaixonou pela arquitetura e pelo lifestyle das grandes cidades – inclusive, pela rotina dos nova iorquinos, que estavam trocando cada vez mais os carros pelas bicicletas.
De volta ao Brasil, Durval começou a enxergar o Rio de Janeiro com “outros olhos”! Aquela temporada em NY fez com ele resgatasse o encanto pela cidade que havia escolhido pra morar, desde os tempos da faculdade. “Eu me apaixonei pelo Rio novamente! Decidi retratar a cidade nas minhas aquarelas. No início, o foco era a arquitetura, a mistura de estilos. Com o tempo, passei a incluir pessoas nos meus desenhos”, explica o ilustrador.
No final de 2014, num daqueles momentos de ócio criativo no Instagram, Durval se deparou com a foto de um amigo no perfil “Ciclovias Invisíveis”. Criado pela fotojornalista e ciclo-ativista Michele Castilho, a galeria de imagens tem o objetivo de defender o direito dos ciclistas pedalarem pelas ruas da cidade – e não apenas nas ciclovias.
No instante em que reconheceu a foto do amigo, na internet, Durval teve a ideia de transformar aquela imagem numa aquarela. “O resultado ficou bem simples – diante das pinturas que faço hoje, mas foi aquele desenho que me incentivou a criar uma série de aquarelas para retratar os ciclistas no Rio de Janeiro. Na época, eu pensei: Vou fazer apenas uma? Não, vou fazer várias aquarelas! Dei as minhas criações de presente para o meu amigo e desde aquele dia, não parei mais!”, relembra Durval. Hoje, já são três anos de muitas paisagens urbanas, retratadas pelo olhar sensível de um artista que sempre foi apaixonado pelo Rio!
Processo criativo
O processo criativo do Durval é dividido em etapas: primeiro, ele escolhe as referências, para definir a paisagem que será retratada. Essa pesquisa é feita tanto no Pinterest, quanto pelas ruas da cidade! Toda vez que o Durval passa por um lugar interessante do Rio ou vê algum ciclista, ele faz uma foto (se estiver com o smartphone ao seu alcance) e reúne as imagens num acervo. Com o cenário em mente, Durval começa a pensar na composição. “O resultado final sempre vai ser a minha interpretação das paisagem urbanas que me encantam”, explica.
O próximo passo é levar os primeiros traços do desenho para as aulas de aquarela, que ele faz aos sábados, pela manhã. “Eu também levo algumas paletas de cores e converso com a minha professora. A gente faz alguns testes e só depois coloco a mão na massa, de fato! Geralmente é assim: eu começo a aquarela na aula e dou continuidade em casa, ao longo da semana, quando chego do trabalho”, revela Durval. “Eu tento fazer uma aquarela por semana. Mas não coloco isso como uma obrigação! Têm pinturas que levam mais tempo para serem concluídas, outras menos”, complementa.
Flanando pela arte
Há três anos, Durval se divide entre o trabalho de segunda a sexta na área de Design e a sua paixão pela aquarela. Mas isso não chega ser um problema pra ele! Ter aquela rotina de escritório, durante a semana, nunca foi encarado como um “fardo” ou “obrigação” – muito pelo contrário! Durval vai a pé para o trabalho e consegue almoçar em casa todos os dias. Quando não chega muito cansado do escritório, vai direto para o ateliê! Mas a grande vantagem de conciliar “arte e mercado de trabalho” nem está relacionada ao fato dele morar perto do escritório: para o designer, ter uma renda fixa permite que ele possa criar no tempo dele, sem ter aquela obrigação de produzir em larga escala para conseguir pagar as contas do mês. Hoje, ele está feliz assim: experimentando todas as possibilidades que a arte pode oferecer, sem necessariamente transformar essa paixão num negócio – pelo menos, não agora!
“Eu admito que estou batalhando para conquistar mais coisas boas no universo das artes! Quando a gente gosta, não temos vontade de parar! Só pensamos em produzir mais e mais! E é normal que a gente queira viver daquilo, passar o tempo todo criando! Imagina, gente? Pintar todos os dias? Que sonho!”, revela Durval. “Mas hoje, ainda estou flanando pela arte! Estou aberto para os caminhos que podem estar ao meu alcance – o que me ajuda a descobrir o que eu gosto, de verdade, e o que eu não quero pra mim!”, complementa.
“Dar tempo ao tempo foi uma lição que a própria aquarela me ensinou: ela me ajudou a reduzir o ritmo, a fazer tudo com mais calma. Aprendi a pensar, parar, olhar. E a aquarela também tem uma imprevisibilidade que me fascina: a gente começa a pintar, mas para concluir o processo, temos que esperar a tinta secar. Nunca sabemos se o resultado vai ser exatamente igual ao que havíamos imaginado – assim como é a própria vida! Eu já fiz terapia, mas confesso que foi com a aquarela que eu aprendi a me ouvir mais! É algo mágico”, conta Durval.
E que essa magia nunca termine! Depois de bater um papo maravilhoso de quase duas horas com esse artista incrível, o meu desejo é que ele continue flanando pela arte e nos presenteando com aquarelas lindas, que são uma verdadeira prova de amor à Cidade Maravilhosa! Mais do que isso: essas pinturas são um resgate daquele Rio Antigo, repleto de encantos, que muitas vezes a gente perde de vista por causa do trânsito, da rotina apressada e das manchetes tristes que vemos nos jornais. Muito obrigada por isso, Durval! Que o seu caminho no mundo das artes se ilumine cada vez mais!
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