A primeira frase que me veio à mente quando comecei a escrever a história do Luiz e da Rafaella, criadores da marca Libretto, foi essa: “Sem saber que era impossível, foi lá e fez” (frase muitas vezes atribuída ao poeta e cineasta francês Jean Cocteau e, em outras, ao escritor norte-americano Mark Twain).
Eu conheci o trabalho desse casal talentoso quando foi divulgada a lista de empreendedores que iria participar da primeira temporada da pop-up store Mooca, no segundo semestre do ano passado, em Belo Horizonte. Como eu estava na capital mineira, na época, lá fui eu bater na porta do ateliê da Libretto, sem avisar! Afinal, sou apaixonada por sketchbooks, não consegui resistir! rs O Luiz e a Rafa me receberam com todo carinho do mundo e combinamos de conversar com calma da próxima vez que eu fosse para BH, cerca de um mês depois.
Eu fiquei encantada com a história deles logo de cara, quando o Luiz me disse que começou a empresa com um investimento inicial de 500 reais! Só de ouvir essa informação, meus olhos brilharam! Até porque, qual empreendedor não se inspira com um relato desses? Fica aquela sensação de que “sim, é possível dar o primeiro passo, mesmo não tendo muita grana para investir no meu sonho”!
O COMEÇO DE TUDO
Antes de falar sobre negócios criativos, tenho que contar como tudo começou! Primeiro, veio uma história de amor. O Luiz e a Rafa se conheceram em 2008, através de um amigo em comum. Ela estava começando a faculdade de Moda e ele estava no cursinho, tinha acabado de concluir o ensino médio. Estão juntos desde então, há oito anos. “Eu caí no Design Gráfico meio que por influência da Rafaella. Descobri mais sobre a área e resolvi tentar”, relembra Luiz.
Logo no primeiro período da faculdade de Design, os alunos têm que usar um caderno de processos – um sketchbook para experimentação, para colocar todo o aprendizado em prática. “A gente precisava de um caderno com um papel mais grosso, para testar técnicas diferentes. E eu não encontrava para comprar. Só tinha fora do Brasil e era muito caro”, revela Luiz. “Tinha uma pessoa na faculdade que vendia. Comprei o caderno por 50 reais – isso foi em 2009 – e era um sketchbook simples, com capa de corino. Tenho que confessar: era muito feio”, brinca. “Fiquei frustrado porque aquele caderno deveria me representar, ser a minha expressão”, revela o designer.
Não demorou muito para que o Luiz chegasse à conclusão de que não iria conseguir usar aquele sketchbook até o fim. “Se existe uma pessoa que produz esse tipo de caderno, então deve ser algo possível de ser feito” – pensou, na época. “Até então, eu sempre achei que a produção de cadernos era algo 100% industrial”, conta.
Com essa filosofia na cabeça e muita vontade de aprender, o calouro da faculdade de Design comprou um monte de papéis e começou pesquisando por “Book Binding” (encadernação de livro) no Google. “Descobri que existiam várias técnicas diferentes. Costurei o meu primeiro caderno seguindo um tutorial no Youtube”, revela. Ele foi apelidado como caderno de guerrilha, porque fiz com os materiais que eu tinha em casa. Costurei com fio dental, porque não tinha ferramentas”, relembra.
“Esse sketchbook foi um teste pra ver se eu iria conseguir colocar a mão da massa e qual seria o resultado. Logo em seguida, fiz o meu caderno oficial, que usei a faculdade inteira. E foi a partir daí que vários colegas de turma começaram a fazer encomendas. Cada um queria um sketchbook diferente – ou seja – eu já comecei fazendo encadernação personalizada”, explica Luiz.
O NASCIMENTO DA LIBRETTO
O designer ficou recebendo encomendas dos amigos de faculdade por quase dois anos. Mas foi em 2011 que o Universo conspirou para que a Libretto se tornasse uma empresa de verdade, e não apenas um hobby nas horas vagas! “Confesso que já estava querendo desistir de trabalhar com encadernação, tinha até conversado com a Rafa, inclusive”, relembra Luiz.
Nesse ponto da entrevista, eu fiz a pergunta mais óbvia, que qualquer pessoa faria, no meu lugar: “Mas por quê? Não estava tudo caminhando tão bem?” A partir daquele momento, a história do Luiz e da Rafa se tornou ainda mais incrível e interessante! “Na verdade, esqueci de te contar uma coisa: eu ingressei no Design Gráfico em 2009, mas sempre quis fazer Medicina. E eu passei para as duas faculdades, em instituições públicas diferentes – ambas aqui em BH! Comecei os dois cursos no mesmo ano – um deles no primeiro semestre e o outro, no segundo. Ainda estou fazendo Medicina”, revelou.
Pausa poética porque fiquei, literalmente, em estado de choque! “Deixa eu ver se entendi bem: por um bom tempo, você cursou duas faculdades – sendo uma delas de Medicina – e ainda conseguiu abrir uma empresa, nesse meio tempo?” E o Luiz respondeu, com um sorriso no rosto: “foi isso mesmo”.
A solução encontrada por ele para conciliar as duas universidades foi negociar a quantidade de disciplinas que iria cursar em cada período, na faculdade de Medicina. Depois de passar um semestre fazendo todos os créditos obrigatórios de cada curso, o Luiz explicou a situação dele ao colegiado de Medicina e perguntou se haveria a possibilidade de fazer apenas a metade das disciplinas obrigatórias, em cada semestre. “Eles disseram que sim!”, relembra o designer. “Na faculdade de Medicina, eu levava 1 ano para concluir as matérias de cada semestre. Já o curso de Design Gráfico eu fiz no tempo regular. No final das contas, consegui me formar no Design, em quatro anos, e vou levar oito anos para concluir a faculdade de Medicina”, explica. E essa fórmula tem dado certo desde então!
Para evitar que a Libretto fechasse as portas antes mesmo de se tornar um empreendimento estruturado, a Rafaella assumiu as rédeas da situação, enquanto o Luiz se dividia entre as duas faculdades. “A Rafa está comigo nessa trajetória desde o início, em 2011, quando a gente começou a pensar a Libretto como uma empresa, de fato. Na época, ela ainda trabalhava com estamparia, mas quando a demanda por sketchbooks aumentou, ela passou a se dedicar à Libretto em tempo integral”, conta Luiz.
E o grande responsável pelo surgimento oficial da Libretto no mercado de cadernos artesanais foi o Encontro Nacional de Estudantes de Design (NDesign) – evento que, a cada ano, é sediado numa cidade diferente do país. “Um amigo me falou que ia acontecer esse Encontro no Rio de Janeiro, em 2011, e que eles iriam oferecer espaços para desfiles de novas marcas e venda de produtos”, conta o empreendedor. “Esse amigo nos incentivou a fazer a inscrição! A ideia era levar algumas peças da Rafa para o desfile e montar uma linha de sketchbooks para vender lá, durante o Encontro”, complementa.
“Foi assim que, no período de 1 mês, fizemos todo o planejamento da Libretto – em termos de branding e identidade visual. Também colocamos um site no ar, que só tinha a nossa marca. A gente se inscreveu meio que na cara e na coragem e fomos selecionados! Foi nesse momento que investimos cerca de 500 reais, do nosso bolso”, revela Luiz. Valor que foi destinado, basicamente, para comprar mais papel. “Produzimos alguns cartões de visita e também fizemos formulários para os visitantes do evento se cadastrarem e concorrem a um caderno da Libretto, que seria sorteado. Assim, começamos a montar uma lista de pessoas interessadas no nosso trabalho”, explica Luiz. O casal levou pouco mais do que 100 cadernos para o evento. E durante os cincos dias do Encontro, que aconteceu na PUC-Rio, eles venderam 2 mil reais. “Foi o incentivo que nós precisávamos para não desistir!”, relembra o designer.
REALIZANDO O SONHO DE TER UM ATELIÊ
No início da Libretto, os cadernos eram feitos na casa dos pais do Luiz. “A minha sorte é que a casa é grande e o andar de cima estava desocupado, na época”, conta o designer. “Nosso home office era composto por uma mesa com quatro cadeiras e outra mesa de bar. Não tínhamos guilhotina, mas conseguimos fazer parceria com uma gráfica de bairro. A gente ia se virando do jeito que dava!”, relembra.
Em 2012, o casal convidou uma amiga para trabalhar com eles. Tinha chegado a hora de ter mais uma pessoa na equipe, para ajudar com as encomendas de final de ano, que costumam ser maiores. “Durante o período de férias na faculdade, eu recebia todo mundo lá em casa, mas depois que as aulas começaram, a Rafa tinha que ir para a casa dos meus pais, todos os dias, e ainda ficava responsável por receber uma terceira pessoa. A longo prazo, essa logística se tornou incompatível”, revela Luiz.
A verdade é que não dava mais para adiar a ideia de alugar um espaço somente para a Libretto. O Luiz e a Rafa estavam decididos a tomar esse passo. “Nós fizemos as contas e ficamos em pânico. Chegamos a contratar uma consultoria do Sebrae, mas pela análise deles, também seria inviável. Refizemos as contas e resolvemos arriscar. O contrato era de 1 ano. Pelo menos durante esse período, daria pra gente ficar no ateliê”, explica o designer. E foi assim, mesmo com o famoso “friozinho na barriga”, que eles alugaram o primeiro espaço de criação da Libretto em setembro de 2013.
A escolha do local foi feita com base na rotina de trabalho da Rafa e do Luiz. A prioridade é que fosse algo prático para os dois. A Rafaella iria para o novo ateliê todos os dias, enquanto o Luiz apenas eventualmente, por causa das duas faculdades. A solução foi alugar um espaço no mesmo bairro onde a Rafa morava, que coincidentemente também ficava próximo à Universidade Estadual de Minas Gerais. Com isso, eles poderiam conseguir um estagiário que estivesse cursando Design Gráfico na UEMG. E foi exatamente o que aconteceu! “Mudamos para o ateliê e uma semana depois já havíamos contratado a Mariana – estagiária que está com a gente até hoje! E isso já tem dois anos”, conta Luiz.
O que era pra ser um contrato de apenas 12 meses, acabou se estendendo para 1 ano e meio. A Rafa e o Luiz só partiram para o segundo ateliê quando resolveram juntar as escovas de dente, em janeiro de 2015! Como eles se mudaram para um apartamento que ficava distante do ateliê, o espaço de criação desses dois jovens empreendedores também ganhou um novo endereço. Hoje, a Libretto ocupa uma sala super espaçosa, num dos prédios comerciais mais bem localizados do centro de Belo Horizonte. E outra boa notícia é que agora, eles contam com a ajuda de uma segunda estagiária, além da Mariana.
PLANEJAMENTO FINANCEIRO
A habilidade do Luiz em administrar a rotina de trabalho na empresa e a carga horária em duas faculdades – tudo junto e misturado – me impressionou muito, sem dúvida! Mas teve outra coisa que me fez admirar ainda mais esse casal de empreendedores: a maturidade deles em fazer um planejamento financeiro bem estruturado e consciente, já no início da Libretto.
“Desde o dia em que investimos aqueles 500 reais pra participar do Encontro Nacional de Estudantes de Design (NDesign), no Rio, nós fizemos um planejamento financeiro e decidimos, naquela época, que não tiraríamos salário pra gente enquanto a empresa não tivesse um bom fluxo de caixa”, explica Luiz. “E nós passamos quase dois anos e meio sem tirar um salário sequer. Durante esse período, a gente pegava muitos projetos freelancers, na área de Design, e tínhamos alguns clientes fixos também. Então, a nossa grana fixa, entre aspas, vinha de trabalhos que a gente conseguia fora da Libretto”, revela o designer.
Outra decisão importante, na parte financeira, foi abrir uma conta bancária exclusiva para as transações da encadernadora. “Desde o início, eu me forcei a separar o meu dinheiro pessoal do faturamento da Libretto. Caso contrário, acabaríamos gastando todo o dinheiro da empresa”, desabafa Luiz.
Sketchbook “I want to ride my bicycle” – Arte: Daniel de Carvalho
O FUTURO DA LIBRETTO
Depois de tanto aprendizado, já no finalzinho da entrevista, eu perguntei ao Luiz o que ele imagina para a vida dele e para a Libretto, daqui a alguns anos. “Quando eu estava cursando as duas faculdades, todo mundo me perguntava o que eu iria fazer para juntar duas áreas tão distintas. E a minha resposta sempre foi a mesma: nada!”, relembra. “Eu não quero juntar as duas áreas, não quero fazer design nas pessoas e também não quero fazer identidade visual de consultório”, brinca.
“Cheguei à conclusão de que estava cursando duas faculdades justamente por serem áreas muito diferentes. Eu quero trabalhar com Medicina de família: meu sonho é ser médico de posto de saúde! Eu gosto de conversar e de estar em contato direto com as pessoas”, explica Luiz. “Ao mesmo tempo, eu gosto muito do Design porque através dele, consigo explorar o meu lado criativo – algo que a Medicina não me permite. Não têm pessoas que fazem Medicina e jogam golfe? Eu jogo Medicina e tenho a minha empresa! São duas paixões que não entram em conflito. Para mim, nunca foi uma questão”, complementa o futuro médico.
Segundo Luiz, a grande mudança que vai acontecer na Libretto, depois que ele se formar em Medicina, será no setor financeiro do empreendimento. “Quando eu estiver trabalhando em outra área, vou ter mais recursos para investir na empresa e poderei fazê-la crescer, num ritmo mais rápido. Essa vai ser a grande diferença: vou ser o meu próprio investidor”, revela o designer. “Como terei outra fonte de renda, não vou precisar mais tirar o meu salário da Libretto. Esse dinheiro poderá ser revertido para o aluguel de um ateliê maior ou quem sabe, até de uma casa, que possa servir de loja também – um lugar com bastante espaço para receber os clientes e expor bem os nossos produtos. Gostaríamos muito de poder ter algo assim, futuramente”, afirma Luiz.
E alguém ainda têm dúvidas de que esse casal vai conquistar tudo isso e muito mais? Na verdade, não existe uma fórmula para ter sucesso! O segredo é ter resiliência e muita força de vontade. Do resto, o Universo se encarrega e conspira a favor! O que eu aprendi com o Luiz e a Rafa? Aprendi que quando realmente queremos alguma coisa, a gente vai lá e faz! Na maioria das vezes, é muito mais fácil criar desculpas, mas elas apenas escondem aquele friozinho na barriga por estarmos saindo da nossa zona de conforto. Como já dizia o famoso poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare: “sabemos o que somos, mas não o que poderemos ser”. Para irmos além, a solução é simples: basta sonhar, acreditar e fazer acontecer!
Agendas 2016 personalizadas – Estúdio Biscoito Maria
Caderno de receitas Deluxe – parceria Libretto + Gui Poulain + Seccos e Molhados
Série Amabilité – Arte: Letícia Naves e Arthur Reis
O caderno que está em destaque nessa foto foi um dos primeiros feitos pelo Luiz. No início,
o designer pesquisava vídeos no Youtube para aprender diversas técnicas de encadernação.
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